REBEL WITHOUT A CAUSE?

Tem-se falado muito, na blogosfera portuguesa mais à esquerda e em alguns meios americanos, do jogo do frango que os Estados Unidos, sob a batuta do presidente Trump, parecem ter iniciado com a China.

Este jogo foi popularizado no filme ‘Rebel Without a Cause’ (trad port. ‘Fúria de Viver’) em que James Dean e os seus colegas actores nos dão uma imagem muito violenta de uma juventude americana pós WWII, a que se chama muito comummente ‘Baby boom generation’. Esta juventude, desorganizada em termos de objetivos de vida e de valores, procura preencher as suas existências com desafios vazios como o já citado ‘chicken game’. Neste jogo, como se pode ver no trecho de filme acima, dois contendores fazem avançar os seus automóveis a grande velocidade na direção de uma falésia. Perde a aposta o que mais rapidamente sair do automóvel, o mais cobarde… o ‘chicken’ da contenda.

Não nos parece que seja esta a imagem mais apropriada para a contenda diplomática e comercial entre chineses e americanos. Recorrendo à imagem do ‘jogo do frango’, a situação assemelha-se a uma corrida sobre brasas na qual o carro americano pisa sobre uma parte da pista com as brasas mais vivas e, portanto, arde há mais tempo. Nestas circunstancias, saltar a meio da corrida, pode ser uma forma de reparar o bólide para repor alguma justiça no desafio. Trata-se de uma corrida em que um dos competidores já parte a perder. Uma coisa mais parecida â final do Campeonato do mundo de futebol de 1954.

Como se pode ver nas imagens acima, a Hungria entrou decidida no jogo e disposta a fazer valer  seu favoritismo face à Alemanha. Aconteceu que a Alemanha venceu, Segundo muitos, as ‘armas’ das equipas em presença não eram iguais. Os Alemães, comprovadamente, apostaram no Campeonato para fazer subir a auto-estima alemã e, para além de tempos de estágio mais longos, de novas metodologias de treino e de umas botas de futebol inovadoras fabricadas pela Adidas, recorreram, ao que alguns dizem, a anfetaminas a que chamavam reforços de vitaminas.

A verdade é que, tal como o desafio entre a Hungria e a Alemanha Ocidental, o desafio entre os Estados Unidos -e já agora, o mundo ocidental- e a China não se realiza tendo os jogadores as mesma armas, ou por outra, o mesmo equipamento. Recordamos aqui a atenção que os Chineses estão a dar a compras de empresas com recursos e conhecimentos tecnológicos fora da China e à ausência de qualquer reciprocidade quanto à possibilidade de empresas estrangeiras poderem entrar no seu território para comerciarem e exercerem a sua atividade livremente.

A China, aliás, não esconde as suas pretensões de se assumir como um país de referência em termos de Inteligência Artificial, de auto mobilidade eléctrica, de energias renováveis, e de tecnologias de informação e de comunicação. Para o fazer (e fá-lo desde há pelo menos duas décadas) não tem hesitado em colocar em causa o estabelecido pela OMC.

Neste blog, a propósito dos metais e terras raras, já referimos o boicote encapotado que este país já fez no início do século XXI a atores como a França e o Japão. Noutro post, é ainda falado na possibilidade de estes dois países poderem vir aliar os seus esforços em termos de IA).

É ainda verdade que a política chinesa face a reivindicações sindicais é semelhante à sua política face a reivindicações nacionais: total repressão e total inflexibilidade.

A China é um país com uma economia altamente planificada e com um poder central omnipresente tutelado (muita gente se esquece disso) pelo ‘sacrossanto’ Partido Comunista.

Mas a China é, também, em larga medida, um tigre de papel. No seu conhecido blogue , Timothy Taylor publicou um post que aconselho veementemente a ler. Do que escreveu retiro e traduzo (como posso, coitado de mim…) os seguintes excertos:

Preocupações com a China: Ecos do Japão e da União Soviética

Parece haver um medo constante na psique dos americanos de que uma economia baseada num planeamento governamental intensivo inevitavelmente superará uma economia americana que carece de tal grau de planeamento central. Lembro de ter encontrado, pela primeira vez, esse medo em relação à União Soviética, que era muito temida como uma concorrente económica para os EUA entre os anos 30 e os anos 80. Algures nas décadas de 1970 e 1980, o medo dos EUA face às economias centralizadas foi transferido para o Japão. Nos últimos anos, esses receios parecem ter sido transferidos para a China.

[…]

Parece-me que a China tomou agora o lugar da Rússia e do Japão, e muitos dos termos usados ​​por Lindsey e Lukas para descrever atitudes em relação ao Japão se encaixam perfeitamente nos argumentos actuais sobre a China. Com efeito, tornou-se bastante comum ouvir alegações de que a China pratica “capitalismo interno dirigido pelo Estado”, que a China estabelece “relações estreitas entre executivos de negócios, banqueiros e funcionários do governo” que a China pratica “a alocação estratégica de capital por meio de um sistema bancário rigidamente controlado”. “e que a China não está jogando pelas regras normais do capitalismo ocidental”. Como já ocorrera face ao Japão dos anos 90 e 80, agora argumenta-se que a única maneira de lidar com o comércio entre a China e os EUA é com acordos baseados em resultados ou comércio por objetivos.

É claro que o fato de esses argumentos e previsões muito semelhantes se terem mostrado incorretos com a União Soviética e com o Japão não prova que eles estejam incorretos em relação à China. Mas devemos levantar algumas questões.

Vale a pena lembrar que, de acordo com o Banco Mundial , o PIB per capita dos Estados Unidos é de US $57.600 em 2016, comparado com os US $38.900 no Japão, os US $8.748 na Federação Russa e os US $8.123 na China.

A economia da China tem crescido rapidamente nas últimas décadas e tem a possibilidade de continuar crescendo rapidamente no futuro. É também uma economia que enfrenta vários desafios:

Citando um outro autor diz-nos ainda o conhecido blogger:

Kenneth Rogoff escreveu recentemente um editorial sobre o tema “A China realmente suplantará a hegemonia económica dos EUA?”  Sublinhando que, para um país com uma força de trabalho extremamente grande, como a China, o aumento da robótica pode ser especialmente perturbador, acrescenta:

“O rápido crescimento da China tem sido impulsionado principalmente pela recuperação tecnológica e pelo investimento. Os ganhos da China ainda vêm em grande parte da adoção da tecnologia ocidental e, em alguns casos, da apropriação da propriedade intelectual. Na economia dos anos vinte deste  século XXI, outros factores, incluindo o avanço do estado de direito, o acesso à energia, à terra arável e a água limpa também se podem tornar cada vez mais importantes. A China está seguindo o seu próprio caminho e pode ainda provar que sistemas económicos centralizados podem impulsionar o desenvolvimento para além do que se poderia imaginar, e vir a transformar-se em mais do que simplesmente um país em crescimento de renda média. Mas o domínio global da China não é a certeza predeterminada que tantos especialistas parecem assumir. “

A economia dos EUA tem sua parcela total de desafios e dificuldades, muitos dos quais têm sido relatados no blog repetidamente nos últimos anos. Mas o medo de que a economia dos EUA seja logo ultrapassada por um país usando uma receita que consiste em altos níveis de investimentos direccionados pelo Estado e práticas comerciais desleais não funcionou no passado. Talvez as energias dos formuladores de políticas electrónicas dos EUA devam ser menos focadas em preocupações sobre ameaças externas e mais focadas em como fortalecer a produtividade e a competitividade dos EUA.

Ora, para além dos acima citados desafios e dificuldades que se levantam à economia chinesa, gostaria ainda de acrescentar uma enorme desvantagem da China face ao Ocidente: a incapacidade para atrair mão de obra especializada e qualificada estrangeira. Esta dificuldade, numa sociedade que, fruto da política dos filhos únicos dos anos 70 e 80, envelhece de forma acelerada pode vir a constituir-se num obstáculo decisivo para o desenvolvimento chinês.

Face ao que já ficou dito, é bom sublinhar ainda que correm por todo o lado argumentos pouco esclarecidos que atiram todos os trunfos desta guerra para as mãos da China. Cito 4 falácias face ao poder da China para resistir a restrições americanas:

1.- A China tem em seu poder uma enorme quantidade de divída pública americana.

Sendo verdade, não vejo em que é que este facto pode condicionar apenas os americanos. Será sempre uma arma que se pode usar uma única vez e uma venda ao desbarato não acautelaria de forma nenhuma os interesses chineses.

2.- A China fabrica a maioria dos componentes das multinacionais americanas e pode perfeitamente boicotar a sua exportação.

Verdade. E podem constituir-se como magníficos ativos ociosos em território chinês. Seria o tempo de os americanos encontrarem outros fornecedores de componentes.

3.- O boicote aos produtos agrícolas americanos será uma bomba entre os ‘red necks’. De uma assentada os chineses atordoam a principal base e apoio de Trum.

O Trump pode sempre subsidiar os seus agricultores… Os chineses ver-se-ão a braços com uma inflação doida e atirarão fora o anos que passaram a organizar-se em termos financeiros para que a sua moeda fosse aceite em paridade de circunstancias com outras moedas de economias avançadas.

4.- Muitas das sanções americanas prejudicam mais os seus aliados do que afetam os chineses. O caso dos metais, por exemplo.

É verdade. Aqui no blogue já foi feito um post sobre essa situação.

Devemos ter presente que para além das razões económicas, há fortes questões geoestratégicas por detrás desta atitude americana. Os Estados Unidos querem mesmo fazer frente ao poder crescente da China no mundo. Frenar a ascensão da China face ao mundo, reduzindo a sua capacidade de somar pontos nas tecnologias de ponta e obrigá-la a jogar com os mesmos dados e no mesmo tabuleiro de todos os outros jogadores pode bem vir a ser uma tarefa difícil que deve ser realizada enquanto é apenas difícil. Daqui por uns anos esta poderia vir a ser uma missão muito, muito difícil… ou impossível.

Deixe um comentário